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Os sete loucos em sala

Olá! É com grande alegria que inicio no Espacio Santillana, para trocar com vocês algumas ideias bacanas sobre o trabalho com a literatura nas aulas de língua espanhola. Embora na maioria das escolas o tempo para este trabalho não seja grande, acredito que o diálogo com textos literários ajuda na construção de uma aprendizagem contextualizada, interessante e, sobretudo, crítica, pois permite que os estudantes tenham acesso a importantes perspectivas sociais que, pela ficção, se mostram sob diferentes vozes e caminhos para a interação cultural.

Como hoje é dia 7, iniciarei com um livro que me parece bem interessante para pensarmos numa literatura que ainda se conserva distante do imaginário de muitos leitores e leitoras brasileiros, independente de se situar geograficamente ao lado.

Começarei este caminho, então, com Los siete locos, uma narrativa vertiginosa do escritor argentino Roberto Arlt (1900-1942), contemporâneo de Jorge Luis Borges e Macedonio Fernández, e principal influência do renomado Ricardo Piglia. Considerado por muitos críticos como um escritor “maldito”, Arlt nos apresenta uma Buenos Aires dos “arrabaldes”, em que o cenário urbano se conecta com seus subsolos continuamente, através de tipos sociais marginalizados e excluídos dos belos cartões da capital argentina.

Escrita em 1929, a narrativa pode ser uma curiosa fenda para observarmos aspectos que ainda sustentam certo imaginário portenho. A trama tem como protagonista a complexa figura de Remo Erdosain, o ideólogo de um plano rocambolesco, baseado na alteração da ordem social, a partir da organização de uma sociedade secreta.

Sem dinheiro e em busca de uma saída que possa revolucionar as relações econômico-sociais daquele momento, Erdosain se junta à personagem do Astrólogo, para que juntos possam colocar em prática o plano que, para além de sua potência delirante, se funda na ideia do roubo, ou melhor, o grande roubo, o grande golpe. Neste sentido, o plano idealizado nos convida a uma leitura mais profunda, em que a discussão sobre os limites éticos das personagens, inseridas num contexto que conduz a isso, viabiliza um pertinente diálogo com a filosofia. Os sete loucos que participam da grande empreitada emergem entre vinte personagens, cujas biografias vão se apresentando aos leitores através de um projeto que compartilha com a literatura uma forte crítica à sociedade.

Além do enredo que, certamente, pode ser bem acolhido pelos estudantes, acredito que o trabalho em sala com esse livro merece ser proposto em consonância com as disciplinas de literatura, história e filosofia, traçando um projeto que não se restrinja ao tempo da aula de língua espanhola e, principalmente, provoque boas discussões.

O imaginário que ali se cria a respeito do grande golpe financeiro nos remete ainda ao filme Nueve Reinas (2000), do diretor Fabián Bielinsky, e que tem como um dos protagonistas o ator Ricardo Darín, já querido do público brasileiro. Nesta história, como na “sociedade secreta” de Remo Erdosain, nos encontramos com um cenário em que o dinheiro coordena as relações, e só mesmo um grande plano contra o outro pode nos dar a dimensão do quão solitários nos encontramos.

 

 

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Maria Fernanda Gárbero

Maria Fernanda Gárbero é mineira, escritora, tradutora e professora de Teoria da Literatura. Há mais de duas décadas, dedica-se às pesquisas sobre maternidade, silenciamento da mulher e estratégias de resistência pelas artes. É autora do livro Madres: à memória do sangue, o legado ao revés (NEA, 2021), Antígona Bel (Telha, 2022) e de diversos artigos sobre tradução teatral e recepção de personagens trágicas na literatura, no cinema e no teatro. Traduziu para o português a Trilogia trágica (Kallaikia, 2019), de Mariana Percovich, e A fronteira (UFPR, 2021), de David Cureses, entre outros textos do espanhol, italiano, catalão e galego. Ao lado do ator e diretor teatral Guarnier, dirige a Cia. de Teatro Skené, na UFRRJ, campus Baixada Fluminense.

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